Ricos em proteínas e minerais, ora-pro-nóbis, taioba e serralha superam vegetais mais populares

Estudo da USP aponta que teores de minerais e de proteínas do ora-pro-nóbis, da taioba e da serralha são, na maioria das vezes, iguais ou superiores aos do espinafre

 22/11/2024 - Publicado há 1 mês     Atualizado: 03/12/2024 às 17:38

Texto: Ivanir Ferreira

Arte: Joyce Tenório*

O ora-pro-nóbis, a taioba e a serralha apresentam valor nutricional comparável ou até superior ao de verduras tradicionais, como o espinafre. As PANCs são ricas em minerais essenciais, como ferro, cobre, zinco, manganês, cálcio, magnésio, fósforo e potássio – Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Agnieszka Kwiecień, Nova/Wikimedia Commons/CC BY-SA 4.0, Tauʻolunga/Wikimedia Commons/CC BY-SA 2.5 e Wildfeuer/Wikimedia Commons/CC BY-SA 3.0

De acordo com um estudo bioquímico da USP, o ora-pro-nóbis, a taioba e a serralha apresentam valor nutricional comparável ou até superior ao de vegetais de uso mais tradicional na alimentação, como o espinafre. Essas Plantas Alimentícias Não Convencionais (Pancs) são ricas em minerais essenciais, como ferro, cobre, zinco, manganês, cálcio, magnésio, fósforo e potássio. Em termos de proteína, o ora-pro-nóbis e a taioba superam em quantidade o espinafre comum e o espinafre-da-nova-zelândia (Tetragonia expansa) – o mais consumido no Brasil. A taioba se destacou ainda mais, apresentando as maiores concentrações de minerais entre as plantas analisadas. O estudo também apontou que a composição mineral dessas plantas pode variar conforme o tipo de solo e as condições de cultivo.

A pesquisa, realizada na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP e coordenada pelo professor Eduardo Purgatto, é de autoria do pós-doutorando Alexandre Minami Fioroto. O trabalho analisou Plantas Alimentícias Não Convencionais (Pancs) cultivadas em diferentes regiões de São Paulo e Minas Gerais, tanto cruas quanto refogadas. Os resultados foram comparados com dados da Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA) da USP e do FoodData, do Departamento de Agricultura dos EUA.

O ora-pro-nóbis, a taioba e a serralha são plantas rústicas que podem ser encontradas em diferentes regiões tropicais, pois elas se adaptam a vários tipos de solos, mas requerem bastante luminosidade. No Brasil, são encontradas principalmente nos estados da Bahia, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Dentre as diversas Pancs, ora-pro-nóbis, taioba e serralha foram escolhidos para realizar a pesquisa devido à sua crescente popularidade, explica Fioroto, o primeiro autor do artigo. “O ora-pro-nóbis ganhou destaque por seus benefícios à saúde e potencial nutricional, sendo facilmente encontrado em supermercados que vendem orgânicos”, diz.

De acordo com Eliana Bistriche Giuntini, do Centro de Pesquisas de Alimentos (FoRC) da USP, muitas plantas nativas brasileiras não fazem parte do grupo alimentar da população, em parte, pela falta de informações sobre sua composição nutricional.
Homem de cabelos escuros, usa barba e bigode. Veste uma camiseta cinza e está na frente de uma parede pintada com folhas verdes, marrons e azuis
Alexandre Minami Fioroto é pós-doutorando da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP – Foto: Linkedin

O trabalho aponta que informações incorretas têm sido disseminadas devido à má interpretação de dados. Um exemplo é a crença de que o ora-pro-nóbis é tão rico em proteínas quanto a carne bovina, baseada no valor proteico calculado pela massa seca. No estudo, o conteúdo de proteína do ora-pro-nóbis cru foi de 25 g por 100 g na massa seca, mas apenas 3,3 g por 100 g na massa úmida. Outro fator importante que o estudo considerou foi a quantidade desses alimentos consumida habitualmente, que influencia na avaliação de sua real contribuição nutricional.

Para Eliana, os resultados confirmaram a expectativa de que os alimentos silvestres podem ter valores nutricionais comparáveis ​​ou até superiores aos de alimentos tradicionais.  A pesquisadora reforça a importância de incentivar sua produção e consumo para ampliar a diversidade da dieta do brasileiro e suprir demandas nutricionais. Ela defende que esses alimentos sejam avaliados principalmente pela sua concentração de minerais.

Análises

Para realização das análises, dois maços de ora-pro-nóbis, de serralha e de taioba foram adquiridos em supermercados de pequenas propriedades orgânicas, de pequenos produtores familiares e horas comunitárias dos estados de São Paulo (Ibiúna, Morungaba, Piracaia, São Paulo, Eldorado e São Bernardo do Campo) e Minas Gerais (Conceição dos Ouros e Uberlândia). O primeiro lote foi coletado entre agosto e outubro de 2021, e o segundo entre janeiro e abril de 2022, observando os períodos de disponibilidade das plantas para consumo.

As amostras foram preparadas no mesmo dia da coleta, cozidas de forma simples, utilizando um método convencional de cozimento a seco em uma panela antiaderente em fogão a gás, sem a adição de óleo, sal ou temperos, para garantir uma avaliação pura das plantas. Todas as amostras, tanto cruas quanto as cozidas, foram congeladas a -20°C, liofilizadas (processo de secagem) e moídas para determinação das concentrações e quantificação de proteínas e nutrientes minerais de cada planta, por regiões.  Todos os valores apresentados foram baseados na massa seca, a fim de realizar as comparações sem a influência das variações de umidade e perdas de água durante o processo de cozimento.

Foto com seis pratos brancos e diferentes porções de ora-pro-nóbis, taioba e serralha
Tamanhos de porções estabelecidos para estimar a contribuição de nutrientes dessas plantas para a ingestão diária recomendada. Na parte superior da imagem, 30 gramas de ora-pro-nóbis, taioba e serralha são apresentadas cruas, respectivamente (A, B e C). Na parte inferior, a mesma quantidade das Pancs cozidas – Imagem: extraída do artigo

Espinafre comum e espinafre-da-nova-zelândia

Não foram observadas diferenças significativas entre as concentrações de nutrientes minerais e proteínas em plantas cruas e cozidas. Exceto para serralha cultivada na cidade de São Paulo, em que a concentração de cobre da amostra crua foi 7% maior que a cozida.

A análise nutricional do ora-pro-nóbis, da taioba e da serralha mostrou que os níveis de minerais e proteínas dessas plantas são, na maioria das vezes, iguais ou superiores aos do espinafre comum e do espinafre-da-nova-zelândia, ambos amplamente consumidos pelas pessoas no Brasil.

Os teores médios de proteína em 100 gramas de ora-pro-nóbis, de taioba e de serralha crus foram de 3,3 g, 4,5 g e 3,0 g, respectivamente, em comparação ao espinafre comum e o espinafre-da-nova-zelândia, que apresentaram 2,85 g e 2,24 g de proteína por 100 gramas, respectivamente.

A taioba se destacou entre as plantas analisadas, apresentando concentrações de minerais superiores às das plantas convencionais, com altos teores de ferro, cobre, zinco, cálcio e fósforo.

Os resultados de cálcio foram significativamente altos em todas as Pancs, apesar das variações entre os locais de cultivo. No caso do ora-pro-nóbis, a concentração de cálcio foi sete vezes maior do que a do espinafre comum.

Embora a serralha tenha apresentado menores teores de alguns nutrientes minerais (manganês, magnésio e potássio) em comparação às plantas convencionais, outros minerais (ferro, cobre, zinco, cálcio e fósforo) foram iguais ou significativamente maiores.

Variações proteicas e minerais

Fioroto explica que os teores de minerais e proteínas das Pancs variaram significativamente conforme os locais e períodos de cultivo, com destaque para manganês, zinco e cálcio. Em algumas regiões, essas variações foram até quatro vezes maiores em relação a outras.

O pesquisador diz que a variabilidade pode ser atribuída a diversos fatores, como o tipo de solo, o tipo de cultivo, o clima e ao fato dessas plantas terem características selvagens e possuírem uma grande diversidade genotípica (informações presentes nos genes), o que levaria a variações substanciais de fenótipos (características como cor e formato das folhas). Como consequência, essa variação chegaria até a composição nutricional.

O método de cozimento utilizado no estudo não alterou os teores de minerais e proteínas das plantas quando comparados com base na massa seca. No entanto, o pesquisador lembra que a avaliação do conteúdo nutricional dos alimentos deve ser feita sempre com base na massa úmida, como ocorre no consumo. Embora os teores de proteínas e minerais pareçam elevados com base na massa seca, ao considerar a alta umidade (80–89%) das plantas, seus valores reais são significativamente menores.

Folhas verdes e pequenas flores brancas e amarelas do espinafre do tipo "comum"
Spinacia oleracea
Folhas verdes e pontudas de espinafre do tipo "Nova Zelândia"
Tetragonia tetragonioides

Nos experimentos, a taioba teve o dobro da concentração de proteína do espinafre-da-nova-zelândia (Tetragonia tetragonoides). Nenhuma diferença significativa foi observada quando o teor de proteína da serralha foi comparado ao espinafre comum (Spinacia oleracea), no entanto, foi cerca de 35% maior do que os valores do espinafre-da-nova-zelândia, o mais consumido no Brasil – Foto: Rasbak/Wikimedia CommonsIxitixel/Wikimedia Commons

Consumo diário

Após determinar a concentração de nutrientes nas Pancs, os resultados foram comparados com os valores de Referência de Ingestão Diária (DRI), que dizem respeito ao que uma pessoa saudável precisa consumir desses nutrientes por dia. Segundo o pesquisador, porções de ora-pro-nóbis, de taioba e de serralha fornecem entre 1% e 7% da quantidade proteína que um indivíduo necessita consumir diariamente.

Em relação aos minerais, a taioba cozida, como fonte de cálcio, magnésio e cobre, contribui entre 11 a 19% para as necessidades diárias desses minerais. Para o manganês, a contribuição chega a 33%. Em relação ao ora-pro-nóbis cozido, por sua vez, classificado como fonte de cálcio, magnésio e manganês, as contribuições ficam entre 16-29%. Já as contribuições da serralha foram inferiores a 11% dos valores de referência.

O estudo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi publicado no Journal of Food Composition and Analysis.

Mais informações: Alexandre Mianmi Fioroto, alexandrefioroto@yahoo.com.brEliana Bistriche Giuntini, elibi@alumni.usp.br; Eduardo Purgatto, epurgatt@usp.br

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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